Entrevista com Julia Medrado

31/01/2012

Em busca da palavra certa

Jornal Estadão entrevista nossa gerente executiva Julia Medrado

Há muitas coisas que um tradutor pode fazer: trabalhar no conforto de casa, escolher os clientes, ler muito e aprender sempre. Só não vai conseguir traduzir “coxinha”. Quem garante é Julia Medrado, de 27 anos, cuja empresa, dentre outras tarefas, verte cardápios para o inglês. “Tem que explicar o que é uma coxinha, não adianta tentar traduzir”, diz. Formada em Letras pela PUC-SP com habilitação em tradução, Julia abriu a própria agência no fim de 2009, depois de trabalhar no ramo para empresas. Começou trabalhando em casa e, hoje, não traduz mais com as próprias mãos: gerencia dois escritórios e mais de 80 profissionais, a maior parte deles brasileiros que moram fora.

No jargão do ramo, fala-se em tradução quando um texto em idioma estrangeiro ganha versão em português; já a versão ocorre quando um texto brasileiro vai para outro idioma. A maior parte das encomendas na agência de Julia pertence ao segundo grupo. “Mas é um mercado amplo”, diz. “O carro-chefe são textos publicitários, mas traduzimos trabalhos técnicos nas áreas fi

nanceira, jurídica e de saúde. Também tem tradução de documentos e legendas de vídeos.” Julia acredita que a formação em Letras é, salvo raras exceções, fundamental. “Tradutor precisa ter intimidade com o idioma, gramática, estilística”, justifica. “Tenho que revisar duas ou três vezes o texto de quem não é formado em Letras.” Mas há quem pense diferente.

Num mês “excepcional”, diz Macedo, um tradutor pode faturar R$ 15 mil. Um iniciante ganha de R$ 1,5 mil a R$ 2,5 mil, podendo chegar a R$ 6 ou R$ 7 mil mensais com o tempo.“Só vai ser bem-sucedido quem for especialista em algum assunto”, diz Paulo Macedo, sócio de uma agência no Rio. “Por exemplo, um capitão da Marinha com doutorado em solda, ou um funcionário do Banco Central.” Trata-se de uma atividade em crescimento. A consultoria Common Sense Advisory estima que o mercado global de tradução faturou US$ 26 bilhões em 2010, e poderia chegar a US$ 30 bilhões em 2011. Macedo diz que sua empresa recebeu no ano passado cerca de 3 mil pedidos de tradução e, para este ano, a expectativa é dobrar esse número. Por isso, planeja contratar mais gente.

Mapa da mina. Como os concursos para tradutor juramentado são raríssimos, uma forma de entrar na profissão é fazer um curso de formação, em locais como a Alumni (em São Paulo) ou a Flash! Idiomas (no Rio). O primeiro dura dois anos, e o segundo, oito meses.

Ex-aluno da Flash!, o bacharel em Direito Filipe Alverca, de 26 anos, trabalha hoje como freelancer em casa, no Rio. “Não fiz OAB e não tenho interesse em advogar”, afirma. “Posso trabalhar em casa, sem pegar trânsito. E como frila, tenho cerca de 15 clientes e vários projetos ao mesmo tempo.” Segundo Filipe, a tradução é geralmente vista como um “plano B”, ou feita por especialistas aposentados. “Mas eu fui fazer o curso de formação de tradutores, gostei e fui me aperfeiçoando”, conta. Ele acrescenta que o setor de petróleo e gás é um grande cliente, e que “quase todo dia” tem de recusar trabalho. “Traduzo de 60 a 70 mil palavras por mês”.

As dicas de Filipe para quem quer virar tradutor são cinco. Primeiro, aguçar o instinto para a cultura geral. “O tradutor é um especialista em generalidades, sabe de tudo um pouquinho”, diz. Segundo, afiar o português. “O inglês pode até ser de médio para avançado, mas seu português tem que ser nota 1.000.”

Terceiro, fazer um curso de tradução. Quarto, reservar meia hora por dia para mandar currículos para potenciais novos clientes, como agências. “A internet permite isso, expandir nossa rede facilmente”, diz Filipe. E, quinto, frequentar eventos de tradução, para conhecer outros profissionais e donos de agências, que podem render novas tarefas. “Já consegui trabalhos via Twitter e também Facebook”, conta. A qualquer momento, colegas publicam mensagens procurando gente para um determinado projeto.

Globalização. Para o tradutor Danilo Nogueira, de 69 anos e a caminho da aposentadoria, sua profissão é “a mais globalizada do mundo”. Por outro lado, diz ele: “não adianta você pôr uma placa na rua escrito ‘Fulano, tradutor’ e esperar os clientes chegarem”. Em sua avaliação, não falta serviço, mas é preciso ter visão comercial e correr atrás dos clientes. “Existe grande chance de seu próximo cliente estar na China, no Reino Unido, na Suécia.”

O importante, diz Nogueira, é não apenas saber o que o autor original escreveu, mas também por que o fez daquela forma. “Se no texto original está escrito high yield bonds, deve-se traduzir (literalmente) como ‘títulos de alto retorno’ e não como junk bonds(‘títulos-lixo’), ainda que o jargão nos cadernos de Economia seja esse”, argumenta. “O tradutor é como uma testemunha policial, que diz ‘Olha, foi isso o que eu vi’, ainda que não concorde.” Nogueira conta de um amigo ateu e comunista que, apesar disso, fez fiéis traduções de textos católicos do italiano para o português.

Falando em traduções fiéis, Julia Medrado informa que “coxinha” pode ser traduzido, ou melhor, vertido, como fried dough filled with chicken (“massa frita recheada com frango”). Outras opções existem – ao gosto do freguês.

Para acessar a matéria diretamente do site do Estadão, acesse: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,em-busca-da-palavra-certa,829234,0.htm

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